Buscando o equilíbrio nas artes visuais

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O mercado de artes visuais brasileiro é um mercado jovem. Em 1970, eram apenas duas galerias. Três décadas depois, o número já havia pulado para 30. E apenas entre 2000 e 2010, mais 15 novas galerias foram abertas. Isso sem falar nos espaços independentes e nos colecionadores que criaram institutos para exibir suas coleções a um número maior de pessoas, como o Figueiredo Ferraz, em Ribeirão Preto (SP), e o Inhotim, em Brumadinho (MG).
“Isso aconteceu porque esse mercado está cada vez mais interessante: novos artistas, novos players, um volume cada vez maior de recursos circulando, uma percepção positiva do mercado internacional sobre a qualidade da produção brasileira. Muita coisa aconteceu nestes últimos 10 anos, e acredito que ainda veremos mais mudanças nos próximos”, afirma Daniele Dal Col, sócia da Galeria Superfície.
Entre 2011 e 2012, ela trabalhou como consultora do projeto Latitude – Platform for Brazilian Galleries Abroad, uma parceria entre a Associação Brasileira de Arte Contemporânea (Abact) e a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil). Lançado em 2007, foi esse projeto que trouxe a primeira pesquisa para identificar o tamanho do mercado de artes no país e o seu funcionamento. Coordenadora do levantamento, Ana Letícia Fialho acredita que houve uma mudança bastante significativa no mercado de artes justamente nesse período. “Nesse momento, o contexto econômico internacional o e do Brasil andaram em direções opostas. Aqui vivíamos um crescimento, e lá fora uma recessão. Os players estrangeiros começaram a procurar oportunidades de negócios em outros países”, lembra.
Não só as galerias, mas o sistema das artes estava em uma dinâmica de franca expansão. “A gente observou um aumento do número de instituições, de exposições, surgimento de novas galerias, ampliação da base de colecionadores”, conta Ana Letícia. A pesquisa Latitude monitorou que houve um aumento de 44% no volume de negócios no biênio 2010/2011. Em 2013, pelo menos 90% das galerias anunciaram ter aumentado o seu volume de transações, contra 81% no ano anterior.
“Ainda não temos os números de 2014, mas a impressão é que não foi um ano tão bom. No entanto, é normal haver uma certa desaceleração após um período de crescimento acentuado”, afirma Ana Letícia, acreditando que ainda há lugar para expansão, produção de qualidade, artistas novos, jovens colecionadores e visibilidade da produção brasileira.
Valor – Para Fabiane Del Nero, gerente da galeria Marilia Razuk, outra mudança considerável nesse mercado, além do aumento da demanda por obras, foi a busca pela qualidade. “Essa tendência interfere tanto no comprometimento das galerias e dos artistas quanto dos clientes. Uma tendência geral de profissionalização das artes faz com que esse mercado seja visto com cada vez mais seriedade, e ao mesmo tempo seja mais cobrado por sua qualidade e importância.”
Segundo ela, os clientes se tornaram mais exigentes em relação à qualidade das obras, às proposições dos artistas e ao próprio atendimento realizado pelas galerias. Como resultado dessa aproximação com o “mundo das artes”, muitos ampliam o interesse, influenciam e chegam a se tornar colecionadores e difusores de conhecimento.
Os artistas, por sua vez, também buscam cada vez mais qualificações, tanto em sua formação quanto na execução de suas obras. “Hoje o artista visual tem um valor de marca, não somente por seu nome, mas pela sua produção artística. Para determinação dos preços das obras, diversos parâmetros podem ser considerados, incluindo sua formação, residências, exposições coletivas, exposições institucionais, participação em feira de arte, em Bienais, coleções privadas e públicas…”
Este é um modelo instituído do percurso do desenvolvimento do artista, explica Fabiane. Para ela, dificilmente isso mudará. Entretanto, o que se pode observar é um aquecimento dos valores e preços dos jovens artistas, que às vezes não se enquadram em todos os aspectos citados acima, mas que buscam um processo de profissionalização e de relevância do seu trabalho.
“Os valores serão flutuantes, com tendência de elevação, salvo se a qualidade da produção, a poética da obras e sua execução não sustentarem um padrão de qualidade exigido pelas instituições, galerias e agora pelo clientes”, acredita a especialista. A vantagem, diz ela, ainda que a definição das tendências seja influenciada por diversos fatores, é que devem permanecer apenas aqueles que realmente tenham qualidade em sua produção.
Ana Letícia Fialho defende que, por ser um mercado de bens simbólicos, o valor de um trabalho de artes visuais é subjetivo e não segue as regras econômicas de cálculo do que se gastou com material, o custo de produção, a quantidade de produtos. Outros aspectos compõem essa equação, e parte deles é a criação de uma reputação e a valorização dos aspectos intangíveis. Isso vai se refletir no valor econômico de determinada obra.
Há também os artistas que produzem, circulam e são reconhecidos mesmo estando fora do mercadostricto sensu. Eles não têm produtos específicos, fazem intervenções, trabalham em coletivos. É um tipo de produção que não passa necessariamente pela questão do nome ou da venda de um objeto. “Mas é claro que esse processo de valorização e reconhecimento é central no sistema das artes. Ainda que essa produção não vire um produto que vá ser comercializado numa galeria ou em um leilão, esse processo de produção, depois de  reconhecido o seu valor estético e cultural, de alguma forma vai ter algum impacto no sistema”, explica Ana Letícia.
Isso tudo, segundo ela, é o que vai fazer com que essas produções permaneçam no tempo, se sustentem a médio e longo prazo. “Artistas de 30 anos às vezes podem estar com valores altos demais para o seu tempo de carreira, mas naturalmente o próprio mercado vai equilibrar isso”, acredita. E defende que é bom que existam pessoas interessadas em investir nas jovens produções. “Ainda que ela não se destaque nesse grupo que atua hoje, não exista mais daqui a 10 anos, isso é positivo. Temos que fomentar um número maior de artistas.”
Incentivo – Como em todo mercado, o de artes visuais é afetado por diversos aspectos. Fatores econômicos, educacionais e desenvolvimento tecnológico são alguns dos que contribuem diretamente para o desenvolvimento do setor. “Provavelmente a tecnologia e o desenvolvimento dela serão fatores que poderão contribuir para a continuidade da tendência de crescimento desse mercado”, acredita Fabiane Del Nero.
E se já vemos um salto de qualidade na mão de obra, isso ainda segue sendo uma questão que, para Daniele Dal Col, precisa ser melhorada para que o mercado continue se desenvolvendo. Além disso, ela aponta a necessidade de melhorar a relação com os artistas e trabalhar mais em parceria, com outras galerias e instituições. “Há também os eternos problemas que não são tão fáceis de resolver, como a alta carga tributária, embora esse não seja exclusivo das artes. Todos os setores sofrem com isso em maior ou menor escala. A burocracia ainda é grande.”
Ana Letícia completa que a presença do Estado no delineamento e desenvolvimento de políticas de fomento para a área ainda é insuficiente. “É preciso criar condições para que o sistema se desenvolva. Hoje não existem políticas especificas de incentivo à doação de obras de propriedade de colecionadores privados para coleções públicas, por exemplo. Em outros países há redução fiscal para doação, incentivos para empresas que investem em arte contemporânea, que depois vai integrar essas obras em coleções. Criar esse sistema para que haja uma interação melhor entre o colecionador privado, as galerias e as instituições é um papel do Estado, que precisa ser avaliado e desenvolvido”, aponta.
Ainda que nos últimos anos tenha havido um investimento na internacionalização da arte por meio do programa da Apex-Brasil em parceria com o Ministério do Desenvolvimento, para Ana Letícia faltam melhores condições para a produção. “Um sistema das artes maduro tem um equilíbrio entre diferentes polos. Nossas políticas públicas não são consistentes, oscilam de acordo com as mudanças no governo”, lembra, explicando que há instituições e espaços independentes que promovem e dão visibilidade à produção, no entanto eles dependem fundamentalmente de políticas e de recursos públicos para funcionarem e manterem uma programação. “Espaços ditos independentes na verdade dependem de editais. São espaços mais próximos dos artistas mais jovens, mas às vezes existem de forma precária, porque não existem políticas públicas que fomentem a infraestrutura pra mantê-los abertos.”
Em geral, esses espaços conseguem recursos de acordo com projetos: para fazer uma publicação, uma exposição, um ciclo de debates. Alguns já buscam outros modelos de funcionamento e financiamento, para não depender do dinheiro público: cedendo espaço para exposição, criando associações de amigos, promovendo novos formatos de leilões. “O crescimento desses espaços nos últimos anos denota uma dinâmica. Eles buscam alternativas. Mas o sistema está desequilibrado”, completa Ana Letícia.
*No dia 28 de março, o mercado de artes visuais será tema de um dos painéis do Panorama Cultura e Mercado. Ricardo Ohtake e André Milan conversarão com o editor da Ilustríssima (Folha de S. Paulo), Marcos Augusto Gonçalves, sobre a atual situação e o futuro do setor.

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