A TV e o cinema vão ser uma coisa só – na internet’, diz guru dos roteiristas americanos
Para o americano Robert McKee, considerado o papa do roteiro, não vai haver distinção entre os dois meios, que hoje disputam a preferência do espectador
Meire Kusumoto
Professor Robert MckeeProfessor Robert Mckee (Olivier Laban-Mattei/AFP/VEJA)

A iniciativa da Netflix de disponibilizar filmes e séries de televisão para exibição, na internet, é apenas o começo de uma revolução que deve transformar a indústria do entretenimento. Essa é a opinião de Robert McKee, considerado o guru dos roteiristas americanos por gente como Peter Jackson, responsável pelas adaptações de O Senhor dos Anéis e O Hobbit, que já o chamou de “o guru dos gurus”. McKee não possui uma ampla carreira como roteirista, mas tem as lições que buscam todos os que desejam escrever bem: ele consegue lotar auditórios com seu curso sobre roteiros, desenvolvido quando era professor da Universidade do Sul da Califórnia, na década de 1980, pouco depois de se arriscar pela primeira vez como roteirista, na série Mrs. Columbo(1979). Foi de tanto dissecar os produtos audiovisuais lançados aos montes por Hollywood que ele se tornou especialista em storytelling, a arte de contar histórias. É a partir desse conhecimento que McKee afirma que, em um futuro próximo, a televisão e o cinema vão ser uma coisa só. E essa fusão vai se dar na internet.
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“O cinema e a TV vão se tornar um. Não vai haver distinção. A transmissão de televisão vai desaparecer. As pessoas vão ter acesso às suas histórias pela internet”, disse em entrevista ao site de VEJA. Segundo McKee, o público não quer mais estar à mercê de grades e horários de exibição fechados, que não permitem que se escolha quando e o que se quer ver. Para o professor, a Netflix deu o pontapé inicial nessa revolução. “É um fenômeno incrível, porque as pessoas – muitas das mais inteligentes e sofisticadas que conheço – assistem a horas e horas do mesmo programa, elas adoram se sentir imersas naquele universo.”
Antenado, McKee, que esteve no Brasil no final de janeiro para ministrar aulas no Programa Globosat de Roteiristas, iniciativa promovida pela operadora de TV paga das Organizações Globo para melhorar a qualidade de seus escritores, afirma conhecer algumas produções do país, entre séries e novelas. Sem revelar nomes, “para não constranger ninguém”, o americano diz que os brasileiros ainda engatinham quando o assunto é roteiro. “Os personagens não são nada complexos, dizem exatamente o que estão falando ou sentindo. É extremamente artificial, eles não têm profundidade ou subtexto, são muito previsíveis e clichês.”
Confira a entrevista de Robert McKee ao site de VEJA:
A televisão americana está em um ótimo momento. Por quê? Basicamente porque a televisão se tornou um meio mais atraente de contar histórias. Na TV a cabo, os roteiristas têm liberdade, por isso a criatividade nas séries é surpreendente. Eles podem experimentar, improvisar, tratar de assuntos que seriam tabu no cinema, que se tornou conservador, no mundo todo. Além disso, eles têm mais poder, porque, quando se tornam roteiristas de televisão, também se tornam produtores do programa e selecionam os diretores de cada episódio, escolhem o elenco, controlam o orçamento. Isso sem mencionar seus salários, que são muito maiores. Se um filme fizer sucesso, ele vai render ao roteirista 1 milhão de dólares. Na televisão, eles ganham dez vezes mais do que isso. Larry David e Jerry Seinfeld, por exemplo, venderam a série Seinfeld por 800 milhões de dólares, 400 para cada um, para autorizar sua reprise em canais americanos regionais, processo conhecido como syndication.
Quando essa migração para a TV começou? Na década de 1990. A fase mais experimental começou graças à HBO. A rede percebeu que tinha que contar histórias de um modo distinto da TV comercial, dedicada às famílias. A HBO decidiu se tornar antifamília para se diferenciar e pediu a seus roteiristas que escrevessem material novo, diferente do que se via. A série que consagrou a HBO e esse tipo de material foi A Família Soprano (1999-2007), seguida de The Wire (2002-2008) e Six Feet Under (2001-2005).
Ao mesmo tempo, Hollywood parece estar reagindo, com bons lançamentos. O que aconteceu? O círculo está se fechando. Os diretores de cinema perceberam que os roteiristas de TV são ótimos e estão convidando essas pessoas para escrever seus roteiros. Foi o que aconteceu com Martin Scorsese, por exemplo, que pediu a Terrence Winter, um roteirista de televisão, criador de Boardwalk Empire, para escrever o roteiro de O Lobo de Wall Street.
Existe uma fórmula para escrever um bom roteiro? Você não pode criar talento em alguém que não tenha, não pode transformar alguém em artista se essa pessoa não tiver um gene para a criatividade. Isso para qualquer área, cinema, televisão, música. Mas talento não é tudo. Os roteiristas precisam estudar a forma da arte, da mesma maneira como um compositor precisa saber teoria musical para entender a estrutura da música. Você pode aprender isso em uma escola ou pode estudar os mestres, aqueles que já dominaram a técnica. Se a pessoa não se esforça e pensa que tudo vai acontecer de forma espontânea, ela vai simplesmente copiar o que viu. Ela deve estudar e precisa ser inteligente. Pessoas burras não sabem escrever.
O senhor acha que a TV vai ocupar o lugar do cinema? O que vai acontecer no futuro não tão distante é que os dois vão se tornar um. Não vai haver distinção. A única diferença será a duração de cada produção. Os cinemas vão fechar e as pessoas vão parar de frequentar essas salas. Ou alguns cinemas vão continuar, mas com números cada vez menores de exibições e frequentadores. A transmissão de televisão vai desaparecer. As pessoas vão ter acesso a suas histórias visuais pela internet e vão ver em suas casas, nos computadores ou outros aparelhos, como iPads. As pessoas querem escolher o que e quando assistir a alguma produção. Elas não querem estar à mercê de programações e horários fechados.
Isso teria sido iniciado com a Netflix, por exemplo? Exatamente. E as pessoas amam esse serviço. É um fenômeno incrível, porque as pessoas – muitas das mais inteligentes e sofisticadas que conheço – ficam assistindo a horas e horas do mesmo programa, elas adoram se sentir imersas naquele universo, com aqueles personagens. A Netflix está abrindo o caminho.
O senhor já assistiu a filmes e novelas brasileiras? Sim, assisti a muitos filmes e a três ou quatro séries e novelas. Essas produções precisam ser mais bem trabalhadas. Os personagens, principalmente dos programas de televisão, não são nada complexos, dizem exatamente o que estão falando ou sentindo. E isso, é claro, é algo extremamente artificial, eles não têm profundidade ou subtexto, são muito previsíveis e clichês. A audiência não precisa disso, vai entender sem o personagem ter de dizer. Os brasileiros precisam aprender a contar histórias por implicações, não por explicações.
fonte: http://veja.abril.com.br/noticia/entretenimento/a-tv-e-o-cinema-vao-ser-uma-coisa-so-na-internet-diz-guru-dos-roteiristas-americanos

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