Nas últimas décadas, as séries de televisão alcançaram um nível jamais visto, tanto de audiência quanto de qualidade, transformando-se em atrações de grande prestígio. Um dos elementos mais importantes para tal sucesso são os roteiros caprichados. E é justamente isso o que Sonia Rodrigues, roteirista, escritora e doutora em literatura –-além de filha do escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues–, aborda em “Como Escrever Séries”, livro que acaba de publicar.
Para oferecer a iniciantes na área um norte para a criação de suas próprias tramas, Sonia acompanhou mais de 60 séries, como “Breaking Bad”, “Família Soprano” e “House of Cards” e esmiuçou diversas delas.
Muitos especialistas no assunto defendem hoje que as séries de televisão são, em termos de narrativa, o que a literatura –e em especial o romance– foi para o século 19. Sonia acredita, inclusive, que alguns roteiristas já têm o mesmo respeito que escritores adquiriram ao longo do tempo. “As séries vieram para ficar. São, no meu entendimento, a narrativa do século 21”, pondera a roteirista, que afirma que seu novo livro não é direcionado apenas a profissionais do ramo, mas também a  espectadores que queiram entender como funcionam as séries que acompanham.
Segundo ela, a criação de roteiros é uma das tarefas mais difíceis que um escritor pode desempenhar. Isso porque, além da imaginação e da criatividade, é essencial que se tenha domínio técnico da atividade, com atenção a detalhes que vão da importância da construção de um mundo inconfundível, das etapas e dos atos da narrativa, até quais equipamentos e locações serão necessários para que cada uma das cenas seja filmada.

Além disso, Sônia ressalta que nem toda ideia pode virar série. “É preciso que seja uma história da qual possa sair muitas outras, por um tempo longo e que ainda dê para outros autores imaginarem novas séries. Como ‘Ilíada’ e ‘Odisseia’, de Homero, a obra infantil de Monteiro Lobato, algumas obras de Shakespeare ou ‘A Vida como Ela É’, de Nelson Rodrigues, para ficarmos na literatura e no teatro. São histórias que, desde sua premissa, permitem ao autor sair inventando narrativas a partir do passado, do presente ou do futuro”, diz.
Contrapondo o formato da série com o cinema e a novela, a autora explica que o roteiro para telonas apresenta “uma história com início e fim”, o de uma novela, “uma narrativa seriada longa, mas com tempo para acabar” e o da série, “uma antologia de histórias com a possibilidade de durar várias temporadas, com intervalo grande entre uma e outra”.
Divulgação

Capa do livro “Como Escrever Séries”, de Sonia Rodrigues

Séries no Brasil
Sonia destaca que as séries vêm ganhando espaço na televisão brasileira em muito por conta da Lei da TV por Assinatura. Com isso, ressalta que há muito o que se aprender com produções feitas nos Estados Unidos e na Inglaterra, mas lembra que é importante imprimir uma marca nacional nas séries feitas aqui para que seja alcançado um resultado ao mesmo tempo brasileiro e universal. “É possível que, em algum momento, superemos, até, as séries estrangeiras”, escreve na apresentação de “Como Escrever Séries”.
É focando o mercado interno que ela dedica o final do livro a entrevistas com três responsáveis por séries no país: Roberto D’Avilla (diretor da Moonshot Pictures, que produz “Sessão de Terapia”), Paulo Morelli (sócio da produtora O2 e um dos responsáveis por “Cidade dos Homens”) e José Henrique Fonseca (sócio da Zola, produtora de “Mandrake”).
Talvez por respeito aos colegas roteiristas, Sonia despista quando perguntada sobre quais produções nacionais ela destaca. “Prefiro não citar exemplos para não correr o risco de esquecer gente talentosa, séries legais”, escapa. “Acho que a gente faz muito bem comédia e precisa dominar mais o formato de drama.”
Mas, ao ser questionada sobre quais personagens considera icônicos, a roteirista aponta “os personagens de ‘Tapas e Beijos’, que são muito bem construídos. Gosto particularmente da Fátima, da Sueli e Tijolo”, mencionando os papéis de Fernanda Torres, Andréa Beltrão e Orã Figueiredo, respectivamente. Entre os personagens estrangeiros, ela cita Rusty, vivido por Matthew MConaughey em “True Detective”, Tony Soprano (James Gandolfini), de “Família Soprano”, Sarah (Mireille Enos), de “The Killing” e Sheldon Cooper (Jim Parsons), de “The Big Bang Theory”.
Filha de um dos maiores escritores e dramaturgos do país, Sonia lembra que Nelson Rodrigues “adorava escrever para televisão e gostava muitíssimo da narrativa seriada, que assumia bem o formato do folhetim. Aliás, ele era capaz de escrever em qualquer formato”. Diz que, se Rodrigues vivesse nos dias atuais, “provavelmente faria muito bem ‘dramédias’, dramas com humor. Ele se adaptaria rápido às séries, acho”. Cautelosa, a roteirista só não arrisca dizer o que o pai acharia das séries que estão no ar. “Seria pretensão da minha parte tentar adivinhar o que um gênio como ele pensaria se vivesse hoje.”
Redes sociais
Em um dos momentos interessantes de seu livro, Sonia relata que, às vezes, fica no Facebook lendo comentários de pessoas para detectar marcas de personalidade que ajudam na construção de personagens. Técnica que pode valer muito especialmente em momentos em que as redes sociais ficam em polvorosa, como nos dias vividos próximos à última eleição presidencial no país. “As pessoas mostram aspectos insuspeitos de suas personalidades em momentos de tensão social ou afetiva. Algumas confirmam seus traços marcantes, outras denunciam baixezas que jamais se atreveriam a mostrar no cara a cara”, diz. “Mesmo no Facebook, com perfis verdadeiros, em momentos de grandes disputas, as pessoas se sentem protegidas por sua tribo e se revelam. Prato cheio para escritores”, avisa.
Entretanto, a roteirista explica que esse tipo de análise só é válido para a escrita de “comédias de costumes”, que aceitam bem personagens com atitudes típicas de quem se exibe por meio da internet. “Para isso é um material perfeito. Penso que os personagens mais dramáticos não se mostram tanto nas redes sociais porque isso implicaria num aprofundamento que, em geral, o ambiente não comporta.”
Títulos e dicas
Apesar de “Como Escrever Séries” ter um foco bastante atual, outras obras também poder servir a quem quer saber mais sobre estruturas narrativas, como o clássico, ainda que pouco técnico, “A Jornada do Herói”, de Joseph Campbell, “A Jornada do Escritor”, de Christopher Vogler, “As Estruturas Narrativas”, de Vladimir Propp, e “Roteiro de Cinema e Televisão”, de Flávio Campos.
Veja algumas das dicas que Sonia dá em “Como Escrever Séries”:
– “Em roteiro, não saber qual é a história que se vai contar é a maior perda de tempo e trabalho que pode existir.”
– “Personagens são o elemento mais importante do mundo inconfundível de uma narrativa, depois da história-base. O perfil de cada personagem está obrigatoriamente relacionado à história-base e às definições de época, lugar, cenários.”
– “Perguntas sem resposta ainda são algumas das coisas mais importantes da narrativa seriada, desde o folhetim francês de Alexandre Dumas, pai. São essas perguntas que mantêm o espectador preso à série, semana após semana.”
– “Numa série, o roteirista-líder (todos, mas ele principalmente) precisa manter condições de produção em mente. Quantas câmeras serão necessárias, orçamento do episódio, elenco, internas ou externas, definições dos executivos do canal, enfim, uma infinidade de questões materiais, além da narrativa, da imaginação, da criatividade.”
– “O conjunto de obras literárias, teatrais, cinematográficas, televisivas e a maneira como se interage com elas é a primeira fonte de inspiração no processo e levantar sua própria série.”
Como Escrever Séries
Autora: Sonia Rodrigues
Editora: Aleph
Número de páginas: 240
Preço: R$ 39,90
fonte : http://entretenimento.uol.com.br/noticias/redacao/2014/11/05/filha-de-nelson-rodrigues-lanca-livro-sobre-series-de-tv.htm

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