Fazer sucesso no Brasil é quase um crime”, diz diretor

Diretor de “Bonitinha, Mas Ordinária” defende cinema comercial e diz que problema da produção nacional está no roteiro

 
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DO IG
Moacyr Góes era um consagrado diretor de teatro quando fez sua estreia no cinema em 2003, com “Dom”, adaptação da obra de Machado de Assis. Foi massacrado pela crítica.
A partir daí, fez comédias, filmes religiosos e levou à telona longas da apresentadora Xuxa e do Padre Marcelo Rossi, reunindo em uma breve carreira praticamente todos os gêneros apontados como vilões do cinema nacional de qualidade.
Ciente disso, ele brinca dizendo que falam de seus filmes “praticamente como uma acusação”. “Fazer sucesso no Brasil é quase um crime, mas nunca liguei”, afirma Góes, em entrevista ao iG . “Vou fazer aquilo que acho legal fazer. Não atendo a nenhum tipo de patrulha.”
Reafirmando a convicção no próprio currículo, o diretor diz não ter o costume de “cuspir no prato que comeu”. Mas ele também não esconde que considera o longa mais recente, “Bonitinha, Mas Ordinária” , seu melhor e mais autêntico trabalho. Acostumado a trabalhar como diretor contratado, desta vez ele pensou o projeto desde o início. “É o que tem mais a minha cara, que fiz como achei que tinha de fazer e com os atores que amo.”
Filmado em 2008, “Bonitinha, Mas Ordinária” finalmente teve a primeira exibição nacional na terça-feira (3), durante o Cine PE – Festival do Audiovisual, realizado em Olinda. Foi o fim de uma espera de quatro anos, motivada principalmente por dificuldades financeiras e pelo esforço do produtor Diler Trindade em baixar a censura de 18 para 16 anos, em busca de um público maior.
Com estreia marcada para 24 de maio, o longa atualiza a obra de Nelson Rodrigues sobre Edgar ( João Miguel, premiado no Cine PE ), homem simples, honesto e ambicioso que gosta da vizinha, Rita (Leandra Leal), mas fica tentado a se casar com Maria Cecília (Letícia Colin) em troca de R$ 5 milhões. A menina, filha de seu chefe, foi estuprada por cinco negros em uma favela carioca e o casamento é visto como forma de salvar sua honra.
Segundo Diler Trindade, o conteúdo sexual da trama foi uma das razões que dificultou a captação de recursos, com empresas hesitando a se associar a um filme com cenas fortes no momento em que o cinema brasileiro “é muito pudico” e luta contra os estigmas deixados pelas pornochanchadas.
Góes garante, porém, que nada influenciou o roteiro e a edição. “Não tive nenhuma preocupação em fazer de maneira mais chocante ou de omitir alguma coisa. Fiz exatamente o que achava que a história pedia.”
Na entrevista a seguir, o diretor fala sobre a angústia provocada pelo atraso do lançamento, defende ingressos mais baratos para filmes nacionais e opina sobre os desafios do cinema brasileiro: “Nosso grande problema é roteiro”.
iG: Como foi esperar quatro anos para ver “Bonitinha, Mas Ordinária” no cinema?
Moacyr Góes: Senti angústia, porque quando crio, quero botar no mundo. Mas agora está tudo bem, o filme passou no Cine PE e a reação das pessoas foi muito boa. Quando passa tanto tempo, você cria muitas expectativas, boas e más. Agora o filme fala por ele mesmo, o que é a melhor coisa.
iG: Durante esse período, você continuou mexendo no longa?
Góes: Sim, o filme passou por várias transformações de trilha e edição. Eu fiquei burilando. Mas não precisaria de tanto tempo pra burilar (risos)
iG: Você cortou ou modificou as cenas de sexo para facilitar a captação de recursos ou baixar a censura do longa?
Góes: Não. O filme jamais foi cortado para ser 14, 16 ou 18 anos. E não tive nenhuma preocupação em fazer de maneira mais chocante ou de omitir alguma coisa. Fiz exatamente o que achava que a história pedia. Não tenho nenhum problema com sexo e sei que ele só tem sentido no cinema se estiver inserido numa perspectiva dramatúrgica. Senão, é apelação. Sempre tive muito claro que este não é filme sobre sexo e nudez. Este é mais um dos equívocos que existem sobre o Nelson, como se ele fosse um pornógrafo. É uma história de amor, de pessoas que vivem experiências sexuais despregadas do amor. O que Edgar quer é viver com a mulher que ama. Se existe uma personagem com desejo perverso, não vou agir como censor. Mas também não agiria como alguém que quer fazer um filme com este tipo de apelo.
iG: Agora que vai chegar às salas, o filme terá de enfrentar a concorrência dos grandes lançamentos. É a favor de intervenção governamental na distribuição?
Góes: É preciso que o Estado perceba que não é possível investir apenas em produção. É preciso pensar na circulação e na exibição. Temos um parque cinematográfico muito reduzido, que faz com que ele seja dominado pelos blockbusters norte-americanos . Temos que ampliar, dobrar o número de salas rapidamente. E acho que o ingresso para filme brasileiro tem de ser mais barato do que para os estrangeiros. Acho desigual um filme como o meu, que custou R$ 2 milhões, competir com “Homem de Ferro” , que custou US$ 350 milhões (na verdade, os dois últimos e mais caros filmes da franquia da Marvel custaram US$ 200 milhões cada um, ou R$ 401 milhões) . O público brasileiro gosta de cinema brasileiro e gosta de se ver na tela. Mas não tem acesso.
iG: Você fez uma série de filmes comerciais e foi criticado por muitos deles. Acha que fazer sucesso no Brasil pega mal?
Góes: Existe isso. Fazer sucesso no Brasil é quase um crime. Mas nunca liguei. Tenho uma trajetória muito solitária, tanto no cinema quanto no teatro. Vou fazer aquilo que acho legal fazer. Não atendo a nenhum tipo de patrulha. Meu único critério é a questão da honestidade. Se me chamarem para fazer um filme com picaretagem, não vou. E se souber que tem, vou sair. Mas acho legítimo (o cinema comercial), não vejo nenhum problema com a onda de comédias suaves ou superficiais.
iG: Acha que as comédias têm uma função no cinema brasileiro?
Góes: Não é questão de função, não acho que vai fazer com que o brasileiro vá mais ao cinema. As pessoas vão ao cinema por dois motivos: o principal é se divertir, o outro é porque acham a história é importante. É o caso de “Carandiru” e “Tropa de Elite” . Ninguém vai ver “Tropa de Elite” para se divertir. Vai porque é uma história importante, que reflete o Brasil, porque é muito bem feito. As duas possibilidades (que motivam o público) estão ligadas à história e ao elenco. O mercado cinematográfico mundial vive de roteiro e ator. Não vive de diretor, que leva meia dúzia ao cinema. As pessoas saem de casa para ver os atores vivendo uma certa história. O Brasil vive de polêmicas falsas – agora são as comédias. Vamos fazer filmes diversos e vamos fazer comédias mais críticas e elaboradas também. Temos grandes comediantes e atores. Temos de dar a eles grandes histórias e personagens.
iG: Acha que faltam bons roteiristas no Brasil?
Góes: O nosso grande problema é roteiro. Quando se discute as comédias, se discute errado. A questão não é ser comédia ou não, é se as comédias são boas histórias. Temos comediantes muito melhores do que roteiristas, atores muito melhores do que as histórias a serem contadas. Nosso nó é o roteiro, principalmente porque o momento de pré-produção, de elaboração de projetos, é o momento no qual não se tem dinheiro, não se investe. É preciso inverter.
O cinema americano é a indústria poderosa que é porque sabe que vai pagar a conta no final se não investir, se não pagar bem os roteiros, se não os fizerem circular para que sejam melhor elaborados por vários profissionais. Se não tiverem boas histórias, todo o investimento feito vai naufragar. A gente não tem isso, ou tem muito pouco. Eu reivindico melhor remuneração e mais tempo de elaboração dos roteiros. Talento existe, mas quando é preciso entregar o trabalho em dois meses, fica difícil.

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