Mercado do cinema: hoje e amanhã

 Enviado por  •
Beto Rodrigues é roteirista, produtor e diretor, sócio-diretor da Panda Filmes. Entre seus trabalhos mais recentes como produtor está o longa-metragem “O Tempo e o Vento”, lançado neste ano, e “Em Teu Nome”, vencedor de quatro Kikitos em Gramado 2009. Neste momento, está envolvido na produção e roteiro da minissérie de TV “Oxigênio”, a ser exibida pela RBS-TV em 2014, além de duas outras séries em preparação, uma delas com a Argentina, e coordena a co-produção de cinco longas internacionais com países como a Bélgica, Espanha, Venezuela, Argentina e Uruguai, entre outras atividades.

Foto: Mercado do Cinema (Cemec)Nos dias 30 de novembro e 1 de dezembro, Rodrigues estará no Cemec, em São Paulo, para o curso Mercado do Cinema. Entre outros assuntos, ele abordará o desenho atual do setor audiovisual, a indústria audiovisual e suas peculiaridades na escala global e os modelos possíveis de sobrevivência e crescimento no mercado (clique aqui para saber mais).
Em entrevista ao Cultura e Mercado, ele discorre sobre o cenário da produção audiovisual independente, as perspectivas de financiamento, a visão internacional e os rumos da produção para o cinema neste momento em que outras telas tomam lugar no mercado.
Cultura e Mercado – O mercado audiovisual brasileiro independente ainda não conseguiu criar bases sólidas para sua autossustentabilidade. A que isso se deve e como é possível mudar esse cenário?
Beto Rodrigues – Um dos principais problemas da produção audiovisual independente está na ponta do processo, a produção cinematográfica. Além de ser a principal vitrine e realizar as obras de maior grandeza, a produção de filmes é responsável por profissionalizar e qualificar a realização independente. Mas também é a que mais sofre os efeitos da monopolização internacional. Por mais que o país esteja produzindo filmes de longa-metragem como nunca dantes, talvez mais de 120 filmes por ano, o gargalo da distribuição segue extremamente apertado e nos leva a uma permanente gangorra no market share. O cinema brasileiro tem oscilado nos últimos dez anos entre 10% e 20% do público em seu mercado interno. Mesmo que venha se consolidando um gênero de filmes que atravessa as safras, a comédia ligeira, e se consolidado um perfil de blockbuster nacional, a esmagadora maioria dos filmes não consegue chegar às grandes plateias, sobretudo pela ausência de uma distribuição adequada. Um dos elementos mais importantes do ponto de vista do imaginário do público seria um processo de descondicionamento do gosto, isto é, fazer chegar ao grande público o filme brasileiro naquela que é a principal janela de exibição de conteúdos, a TV aberta. Em 2010, por exemplo, três das cinco cadeias de TV aberta do país – Record, SBT e Bandeirantes – não exibiram um único filme brasileiro sequer. Esse é um dos pontos chaves no estrangulamento de nossos filmes. Outro aspecto, também importante, seria uma distribuição mais equilibrada nos recursos dos editais de fomento, a começar pelo Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), buscando equalizar melhor as verbas destinadas à produção e à distribuição. Mas na contramão desta tendência de permanente instabilidade da produção cinematográfica, a produção de conteúdos independentes para a TV no Brasil, graças à Lei 12.485, está em crescimento constante e construindo um novo paradigma para o setor. Com o passar do tempo, certamente também terá um efeito positivo sobre a participação dos filmes brasileiros no mercado interno.
CeM – Quais são as perspectivas para os próximos anos no que diz respeito à injeção de recursos nesse mercado?
BR – Considerando que a principal fonte de fomento atualmente é o FSA e que este é um sistema que se retro-alimenta, recebendo recursos da taxação das atividades de exibição do próprio setor e da publicidade, a Condecine, mas também através de recursos advindos da fiscalização da telefonia celular, a Fistel, podemos afirmar com segurança que a realização audiovisual independente receberá recursos constantes e crescentes nos próximos dez anos. Mesmo que em paralelo a captação de recursos via as leis de incentivo fiscal siga em descenso no setor audiovisual.
CeM – De que maneira o mercado internacional tem visto a produção brasileira? O financiamento internacional ou as coproduções são caminhos a serem mais considerados?
BR – O cinema brasileiro viveu um grande período de ausência no cenário internacional, entre a década de 80 e o começo deste século. A criação da Ancine e a progressiva regulação do mercado, bem como a criação de novas fontes de fomento e de políticas de cooperação entre as autoridades audiovisuais brasileiras e o Itamaraty para fomento de nosso audiovisual no exterior, foram dando uma relativa estabilidade à produção de cinema no país e sua promoção internacional. Com isso, progressivamente, os filmes brasileiros voltaram a participar, cada vez com maior frequência dos festivais e eventos de mercado mais importantes do mundo. E por este caminho também vieram as premiações e o reconhecimento, que termina manifestando-se através das vendas internacionais. No terreno de séries independentes para TV, que aqui se exibem sobretudo nos canais de assinatura, estas portas ainda não se abriram, mesmo havendo uma TV aberta que é uma das maiores exportadoras de teledramaturgia do mundo, a TV Globo. Mas as perspectivas são animadoras e deverão acompanhar o crescimento da produção de conteúdos para TV atualmente em curso no país.
CeM – Na mão inversa, vemos produtores brasileiros investindo em filmes estrangeiros. O que leva um produtor a investir em um filme e no que isso difere quando se trata de se associar a uma produção estrangeira?
BR – Na verdade os produtores brasileiros investem muito pouco em produções estrangeiras, quase nenhuma produtora possui fluxo de capital para isso. O que está em crescimento, isto sim, é a participação de produtoras brasileiras como co-produtoras minoritárias em filmes de outros países, com destaque para os países latino-americanos, Portugal e Espanha. Esse é um movimento natural que acompanha o crescimento de nossa produção e a busca de diálogo com outros mercados e cinematografias.
CeM – Muito tem se falado sobre como a produção para a internet e a TV tem mudado os rumos do audiovisual, até deixando o cinema, da maneira como conhecemos, de certa forma pra trás. Com tudo isso, como você vê a produção para as telonas daqui pra frente?
BR – Mesmo que cada vez mais as produtoras estejam redirecionando seus esforços para a produção de séries, programas de TV e conteúdos para Internet, o filme cinematográfico para exibição nas telas grandes continuará sendo um vetor da indústria. Mas com certeza terá de ser repensado inteiramente o sistema de produção e o perfil dos filmes. Aquele que é conhecido como “cinema de autor” ou “cinema de arte” encontra cada vez mais dificuldades de chegar às telas. O processo de digitalização das salas terminará, em breve, com o limite de ocupação pelo número de cópias em 35mm. Com isso, um único filme poderá chegar à metade das salas existentes no Brasil somente a partir de suportes digitais. Dentro da era da película cinematográficas, havíamos tido filmes com no máximo 700 e poucas cópias, podendo ocupar este número de salas. Mas já neste período de transição para o digital tivemos um filme que ocupou quase metade das salas do Brasil, o “Amanhecer – Parte 2″, em cerca de 1.200 salas. Esse é um caminho que tem levado a progressiva monopolização do mercado exibidor pelo “gênero” blockbuster, dentro dele também filmes brasileiros de grande envergadura, a grande maioria no gênero comédia de costumes. Ou seja, o cinema mais qualificado e com maior dificuldade de dialogar com as grande platéias terá de buscar o vídeo on demand (VOD) ou a exibição direta na TV por assinatura, para se disseminar. E aqui não falamos apenas de obras de autores pouco conhecidos, mas também de diretores consagrados, como aconteceu recentemente com o premiado Steve Soderberg, que não lançou em salas de cinema sua última, estreada diretamente na HBO.

fonte : http://www.culturaemercado.com.br/entrevistas/mercado-do-cinema-hoje-e-amanha/

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui