Desafios da produção cultural

Bruno Braz Golgher Empresário e produtor cultural, idealizador do Savassi Festival

BRUNOGOLGHER

Bruno Braz Golgher – Empresário e produtor cultural, idealizador do Savassi Festival

O produtor cultural, especializado em eventos em espaço público, utiliza de suas formações como economista e mestre em sociologia para produzir um dos maiores eventos de jazz do Brasil: o Savassi Festival, que neste ano foi realizado, pela primeira vez, em Nova York. Na conversa, ele fala sobre essa incursão internacional e sobre a efetividade das leis de incentivo.
Em 2013, o Savassi Festival teve sua primeira incursão internacional com a edição Savassi Festival: Nova York. Como foi a experiência de realizar um festival de jazz em um dos berços mundiais do gênero?
Foi ótimo fazer o festival lá. O primeiro ano foi muito difícil, porque sou apenas um ilustre desconhecido no meio. Agora, trabalhar nos EUA é muito bom porque as pessoas são muito abertas e diretas. Por outro lado, a maior dificuldade foi com os prazos, por serem incompatíveis com a realidade da produção cultural brasileira. Lá eles planejam festivais e shows com dois, cinco anos de antecedência.
O projeto para segunda edição do evento na Big Apple foi aprovada pela segunda vez pelo Fundo Estadual de Cultura. Isso garante a segunda edição do evento?
O custo do festival lá é maior do que aquele aprovado. Se você me perguntar se vai ter outro, eu direi que sim, mas não será exclusivamente com o dinheiro do Fundo porque não é suficiente. No ano que vem, o festival também acontecerá em Boston. E, mesmo com a dificuldade financeira, já estou trabalhando com algumas bandas para também realizar uma versão em Londres, onde consegui um parceiro, mas não sei se sai ainda em 2014. Outro local que desejo fazer uma versão do festival é no Japão, mas esse é um projeto mais ousado e também custará muito mais caro.
Além de apresentações musicais, os intercâmbios são um forte pilar do Savassi Festival. Músicos internacionais não só fazem shows em Belo Horizonte, mas ministram workshops. Essa característica permaneceu na edição realizada em Nova York. É uma preocupação do evento manter esse escopo?
Bom, o festival, assim como o cenário cultural, vai mudando o tempo todo, algumas coisas que eram relevantes há dez anos deixam de ser. É natural que isso aconteça. O festival começou a assumir um legado que transcende os shows. E como ir além? Envolvendo parceiros locais, clubes de jazz, assim como realizando os workshops e promovendo colaboração entre os músicos e residência artística. Hoje em dia, por exemplo, os artistas compõem para o festival. Somente na edição passada tivemos quatro composições inéditas em formatos muito diferentes. O DJ Anderson Noise colaborou com o músico Jakob Bro, da Dinamarca – o que não significa subir ao palco e se apresentar na hora, mas se encontrarem antes e criarem algo juntos. Quando o festival acaba, as parcerias continuam. Tudo isso aponta para uma diferença do festival.
O jazz brasileiro foi bem recebido pelos norte-americanos?
Sem dúvida, eles gostaram muito. Acontece que o cânone do festival em Belo Horizonte é diferente do de Nova York. Eu não vou fazer o que eles fazem, por isso não levei jazz, mas sim música instrumental brasileira. Houve, inclusive, um episódio interessante que o curador do Cornelia Street Cafe nem se deu ao trabalho de me cumprimentar, mas ao ouvir o Juarez Moreira tocar ele disse, “Ué, isso é bonito”. Outro caso interessante foi de um menino que foi em todos os shows e workshops, no final já o conhecia, e ele me disse: “sou ucraniano e toco piano desde os três anos. Mas somente há seis meses ouvi choro pela primeira vez e pensei: ‘é isso’”.
Você produz um dos maiores eventos de música de Belo Horizonte há 11 anos, quase todos por meio de renúncia fiscal. Depois de trabalhar tanto tempo por meio das leis de incentivo, qual sua opinião sobre a efetividade delas?
Acho que as leis são efetivas, pois é por meio delas que o dinheiro do mercado é canalizado. É impensável um mercado sem elas. Mas tudo é passível de criticas e há muitos problemas nelas. Eu acho que as leis têm prazos incompatíveis com a excelência artística, que não existe a um curto prazo. Não tem como comprar passagens internacionais com o prazo estipulado pelas leis. Com esse horizonte temporal curto, não há fluxo de caixa, assim, quando o dinheiro chega, você já está todo endividado. Tudo isso joga contra o trabalho e uma boa criação artística.
Qual é a receita para manter vivo e aperfeiçoar um evento como o Savassi Festival por tanto tempo?
Não há receita. Foi o Café com Letras restaurante), meu outro negócio, que me permitiu, de uma maneira maluca, correr um risco grande ao financiar pagamentos para o festival. Sem ele, o festival não existiria como é atualmente. É muito comum esse cruzamento de recursos. Você vê artistas que são professores e subsidiam seus projetos com outras rendas. Isso ajuda, mas o processo em si é muito desafiador, não é brincadeira.
Em Belo Horizonte, o Conselho Municipal de Cultura foi criado pela Lei 9.577. Depois do primeiro mandato encerrado, você pôde notar se a atuação desse conselho, no que diz respeito a fiscalização e demais funções previstas pela lei, já pôde ser notadas?
Na verdade eu não acompanhei. Mas tenho um forte sentimento ambíguo sobre esses conselhos, em geral, porque eles acabam, mas nunca chegam a um final. Acredito que é preciso ter menos reuniões, menos comissões e algo mais livre, porque se eu for acompanhar tudo isso, eu não consigo fazer o meu trabalho.
Você teria alguma sugestão para a melhoria das do funcionamento das Leis de Incentivo à Cultura, em geral?
Bem, primeiro o calendário de cada edital deveria durar pelo menos três anos, assim como o anúncio das datas de publicação dos editais. Não faz sentido passar o ano todo atrasado, como acontece na Lei Municipal de Belo Horizonte. Nessa lei, ainda há uma instrução normativa que piora as coisas: ela estipula que depois de o projeto ser aprovado são necessários 60 dias para começar a receber o dinheiro. Outro exemplo é o edital da Belotur, lançado a cada três meses, nem os artistas nem a Belotur conseguem avaliar direito. É preciso, também, descomplicar os processos, principalmente no que diz respeito à prestação de contas, que consome um grande esforço e muito dinheiro. É preciso entender que o que está sendo feito vai muito além de notas fiscais. É preciso ter um jeito de você dedicar 95% de seu tempo à arte e não o contrário.
O historiador inglês Eric Hobsbawn, morto em 2012, intitulou um dos capítulos de “Tempos Fraturados” de “Por que realizar festivais no século XXI?”, no qual discute relações entre sociedade e cultura, com destaque para os festivais. Faço do título dele, minha última pergunta.
Eu já li esse capítulo, e acho que ele diz que festivais têm surgido como cogumelos. Nesse contexto, acho que, de fato, o mercado cultural cresce no mundo todo. E, no caso dos festivais, acho que eles têm desempenhado um papel quase dionísico, por serem uma ocasião que você saí do seu apartamento e da sua rotina diária e se congrega. Além disso, os festivais são um local de encontro de pessoas que têm interesses específicos que se identifiquem. Acho que o Savassi Festival desempenha um papel de formar público.

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