José Wilker quer enxergar a proverbial luz no fim do túnel. Assinando seu primeiro filme como diretor, a comédia Giovanni Improtta, o ator acredita que o cinema brasileiro está começando um mercado que sobreviva não de surtos de cinema, mas da criação de um cinema sólido de indústria. O que atrapalha? Falta de vontade política. “As autoridades no Brasil não entenderam ainda o que os americanos entenderam nos anos 20 quando criaram a política dos 3 efes: flag follows film, que significa que a nação pode existir e ganhar com seu cinema”, conta Wilker. “Quando existe um dirigente, no caso do Rio de Janeiro o Eduardo Paes, que gosta de cinema, entende a importância do audiovisual e investe nisso, fica muito bom. Mas às vezes acontece iniciativas como a de Paulínia, que era brilhante e foi interrompida de forma grosseira e infantil.”
Wilker, um dos protagonistas da quinta maior bilheteria de todos os tempos no Brasil, Dona Flor e Seus Dois Maridos, de 1976, revela que o financiamento estatal para o cinema era ilusório. “Nós enganávamos o Brasil dizendo que estávamos financiando nosso cinema, mas uma lata de negativo, quando se usava negativo, custava cinco vezes mais caro aqui do que na Argentina”, lembra. “O material era taxado, o que encarecia brutalmente a produção nacional – mas o discurso era que se estava dando dinheiro para produzir.” E ele continua: “Na verdade o que o governo faz é ganhar dinheiro com cinema. Quem está no poder ainda não percebeu. O pouco dinheiro que se investe retorna na forma de imposto, na criação de empregos, no pagamento dos importos sobre os serviços, equipamentos comprados, e no ingresso vendido, que o governo também cobra impostos”. Ele ressalta também a burocracia que cria entraves para a importação de novos equipamentos para as salas digitais: “Temos salas digitais de quinta categoria e o que novo foi comprado fica preso na receita federal e na alfândega. É imperdoável”.
Vontade política é a ponta do iceberg para que o Brasil esqueça definitivamente a ditadura da forma e do conteúdo que o Cinema Novo, por exemplo, trazia. Eram regras a ser seguidas – que ainda contaminam parte da produção nacional. Mas Wilker acredita que essa fase está ficando no passado. “A partir da retomada, de vinto anos pra cá, nós nos premiamos com a inteligência de ter uma cinematografia. Cinema nacional não é mais um gênero”, acredita. “A gente ouve que agora a moda são só as comédias. Eu fiz um levantamento e constatei que os maiores sucessos dos últimos vinte anos são as comédias Carandiru, Tropa de Elite, 2 Filhos de Francisco, Cidade de Deus e vai por aí. Estes foram os filmes de maior aceitação.” O otimismo do ator/diretor com gêneros pouco comuns no cinema nacional resvala sem problemas no nepotismo: “Minha filha, que escreveu o roteiro de Giovanni Improtta, assina um filme de terror dirigido por Tomás Portela, que foi meu assistente, e agora está em fase de pós-produção. É um filão que pode crescer, assim como musicais, que também podem voltar. Lentamente estamos chegando lá de novo”.
mais wilker como improtta
José Wilker paramentado para um funeral na pele de Giovanni Improtta
O que é novo em Giovanni Improtta é o uso de um personagem consagrado em uma novela, ainda a grande referência de dramaturgia no Brasil, em um longa. Criado pelo autor Aguinaldo Silva para o folhetim Senhora do Destino, o bicheiro de dezenas de bordões chamou a atenção de Wilker. Apesar de estar envolvido como ator e diretor em vários projetos de teatro (“A economia é muito simples”) e televisão (“A economia aqui não depende de mim”), ele enxergava em Giovanni Improtta o retrato de um Brasil novo, globalizado, ainda que com destrambelho, desacerto e senso de humor. “A economia do cinema é mais complexa e depende muito do empenho pessoal, e eu não tinha o temperamento para tratar com a economia do cinema, é tudo muito lento”, explica. “Mas o Giovanni mostra de forma delicada e bem humorada espelhar esse país que tá surgindo. O Brasil era amarrado a certos comportamentos do século 19. De repende a gente se depara com um mundo desenvolvido que chegou até aqui pela globalização. No Bye Bye Brasil tinha uma índia que ficava ouvindo radinho de pilha, e aquilo era moderno nos anos 70. Hoje as pessoas, no mesmo lugar, usam o iPhone. Eu quero entender essa transição.”
Para isso, Wilker – o diretor – se afastou propositadamente do naturalismo e de uma certa submissão a uma forma de realismo que ainda impera no cinema brasileiro. Sua saída foi mais alegórica, usar a estética do filme para contar essa história. “A casa do Giovanni é uma explosão de cores, o figurino é muito particular. Mas não é exagero, é a estética da reprodução de uma coisa bem real”, empolga-se. “Quando estava procurando locações eu visitei casas onde o quarto da criança era uma espécie de pesadelo de figuras de Minnie cor de rosa. Casas com uma parede com 18 metros quadrados de Barbies, todas nas caixas. As pessoas gostar de ter coisas, mas não necessariamente de usá-las.” Na visão de Wilker, Giovani Improtta espelha esse comportamento: “É como o cara que comprava antigamente, na República Velha, livros a metro, só as lombadas, para ostentar. A estética não é do excesso, e sim de uma realidade objetiva. Não inventei, eu vi e copiei”.
A associação de cinema e TV é vista com bons olhos pelo ator, que lembra que, antes de Giovanni Improtta, Beto Rockfeller saiu das novelas e ganhou vida nos cinemas. “A gente resistiu, mais o cinema do que a TV, em ter essa associação benéfica para todos os lados”, lamenta. “Nos Estados Unidos existe essa integração até porque lá a TV aberta só tem 40 por cento de produção própria. O resto tem de ser comprado, por lei, no mercado. Hoje só a Globo compra cinema nacional e exibe. Por que esse exemplo não pode ser estendido a outras tvs abertas? A emissora percebeu que só poderia melhorar ao importar cinema para sua grade.” Como diretor, José Wilker plajena estreitar os laços entre as duas mídias colaborando com o projeto da Globo em produzir telefilmes.“A idéia é antiga, mas agora a emissora está desenhando uma forma de concretizar”, anuncia. “A forma de como tocar essa produção está sendo estudada, o tipo de cooperação com as produtoras privadas, que histórias vão ser contadas.” Ele ressalta que uma das dificuldades era justamente descobrir que histórias contar no tamanho de um filme de média metragem, com 70 minutos: “Estamos trabalhando para acumular textos, ter ao menos duas dezenas de filmes prontos para que não seja algo esporádico, para ter regularidade e ter uma expectativa de consumo boa para a televisão. A Globo inclusive já fixou valores pra esses filmes. Vai acontecer, não tem saída”.
Sobre as tramas que podem se encaixar no formato, Wilker lembra que o Brasil é fonte inesgotável de histórias que nunca foram tocadas. Ele usa como exemplo a Guerra do Paraguai, nunca mostrada no cinema com o escopo épico que o assunto merece. “O projeto nunca saiu do lugar. Falou-se de custos, de dificuldade de captação, tamanho de produção. Mas também esbarrou-se na escrita dessa história, já que existem várias versões das mesmas histórias”, explica. “Fizemos algo inteligente com Guerra de Canudos, que eu tive o orgulho de produzir. Todo mundo queria fazer o filme, e quando fizemos muita gente disse que Canudos não era daquele jeito. Mas isso que é genial: existe cem maneiras de contar Canudos, aquela foi a nossa visão naquele momento. Mesma coisa com a Guerra do Paraguai, que pode ser contada por vários pontos de vista.” Mais ou menos como Rashomon, de Kurosawa, uma mesma história sob vários pontos de vista? “Rashomon é feito sempre em vários idiomas! E observar sob vários pontos de vista é nossa especialidade. No Brasil, todos os dias, temos vários Rashomon.”
Fonte: http://robertosadovski.blogosfera.uol.com.br

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