“Amor, tem três pessoas de quem eu puxo saco e não brigo mesmo: a babá da minha filha e esses dois aqui”, diz Amora Mautner, 40, latinha de energético na mão, apresentando à Folha os diretores de fotografia e de corte de “A Regra do Jogo”, Fred Rangel e Augusto Castro Lana. Segundo a diretora de núcleo da Globo, os dois profissionais são fundamentais para ela colocar em prática, na próxima novela das nove, de João Emanuel Carneiro, o que diz ser uma nova maneira de se fazer teledramaturgia no país, inspirada em “realities”.
Em um projeto batizado de “caixa cênica”, coordenado por Amora e que contou com um investimento de dois anos, a Globo construiu cenários fechados, com paredes, teto, e dobrou o número de câmeras em uma novela. Em vez de quatro fixas, no estúdio onde é gravada a trama de João Emanuel Carneiro serão oito, sendo duas robôs, operadas à distância. Algumas delas ficam escondidas, como nos “realities”. “É como um autorama em volta do ator. Eles fazem o que querem e as câmeras vão atrás, não precisa mais ficar numa marca de cena. É vida real, orgânico”, diz Amora.
Para montar essa estrutura, ela conta ter conversado bastante com Boninho, diretor do “Big Brother Brasil”. Essa nova maneira de gravar economiza tempo e provoca uma edição das cenas quase em tempo real (daí a importância do diretor de corte que ela diz bajular).
NOÇÃO EXATA
Em uma gravação que a Folha acompanhou, o protagonista Alexandre Nero faz uma cena em um elevador recriado no estúdio. Por trás dos espelhos da caixa metálica, a câmera escondida capta a movimentação do ator. “É uma nova maneira de se fazer novela. Assim como os ‘realities’ entraram na dramaturgia, a dramaturgia precisava entrar na realidade”, afirma Nero. Amora concorda. “Não dá para subestimar o público. Os ‘realities’ terem entrado na TV como uma nova forma de dramaturgia deram ao público uma noção exata do que é real e do que é interpretação.” A diretora também promete dar atenção especial à fotografia.
Ela se inspirou no trabalho do americano Saul Leiter (um dos pioneiros do uso da cor na fotografia). Para dar unidade visual à novela, estipulou uma altura fixa para os enquadramentos e o uso de dois tipos de lentes. “É igual nas grandes séries. Independentemente de quem esteja dirigindo, há uma unidade”, fala ela, que tem os diretores Joana Jabace e Enrique Diaz a seu lado. “A Regra do Jogo” marca novamente a parceria de Amora com o autor João Emanuel Carneiro. A dupla trabalhou no sucesso “Avenida Brasil” (2012), com direção geral dela e de José Luiz Villamarim, sob o comando de Ricardo Waddington.
Ela não teme comparações com “Avenida Brasil”. “Esta é melhor, mais audaciosa.” O folhetim, um suspense, falará dos limites entre o certo e o errado. Amora diz que a trama será argentina, em referência ao cinema do país vizinho, de pouco recurso, que preza por “texto e ator bom”. “É ignorância quem não entendeu que isso é a essência da boa dramaturgia”, afirma. Ela conta buscar no elenco, com nomes como Tony Ramos, Cássia Kis, José de Abreu, Susana Vieira, Cauã Reymond e Marcos Caruso, o que chama de não interpretação. “A onda é ser”, fala. Mesmo que o estilo possa não ser bem recebido. “Se tá ruim, amor, eu falo. Não quero ficar amiga de ator, tô cheia de amigos. Quero que façam um bom trabalho para, na edição, eu falar ‘que gênio!'”
QUATRO VERSÕES SOBRE A ‘CAIXA CÊNICA’ Tony Ramos: “Não tem que lembrar de câmera. Pega o texto, cumpre a marca do diretor e deixa que as câmeras te captem. Torna mais viva a coisa.”
Cauã Reymond: “É como se estivesse gravando em locação. Se você sair de uma marca combinada, a câmera tá pronta para captar aquilo. Dá uma liberdade de movimentação e isso alavanca a dramaturgia.”
José de Abreu: “A ‘caixa cênica’ é genial. Eu há anos já não gostava de me posicionar para a câmera. Agora é como se estivesse fazendo teatro
Alexandre Nero: “Assim como os ‘realities’ entraram na dramaturgia, a dramaturgia precisava entrar na realidade
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2015/08/1671807-nova-novela-das-21h-a-regra-do-jogo-se-aproxima-de-realities.shtml